sexta-feira, 24 de agosto de 2012

a tal da saudade

a dor enraiza no peito na sexta feira. tudo do jeito que você deixou quando partiu. a xícara de café amargo sem açúcar, o guardanapo com a marca do seu batom. no chão, os cacos do copo americano, os cacos do meu coração, espalhados com os pedaços da sua 3x4. partidas só não me incomodam mais que caixas. na sala os livros empilhados: fante, bukowski, drummond. o cd do dylan pisoteado com seu salto prada [...]


jack me olha com o olhar triste enquanto roe o osso deitado no assoalho de mógno. ele quase pede por piedade, encosta no meu jeans com o focinho gelado a espera de um sorriso, me lambe na expectativa vazia de um cafuné dessas mãos que não sabem mais o que é isso. no quarto o seu vestido preto de cetim, seu pijama de borboletas rosas, suas calças jeans escuras que tantas vezes usou com camisas brancas, todas as peças empilhadas nas caixas. muitas caixas cheias da sua maneira de vestir. o armário, agora com 3/4 a mais de espaço. sempre soube que não suportaria tantas caixas. sua orquídea chora na varanda, nem floriu, nem sorriu e agora jaz seca nesse clima de final de inverno.

primeiro a dor palpita, depois explode. explode quando passo de carro por nosso locais. explode quando ouço bono, quase ouço você cantando baixinho no meu ouvido "you say. love is a temple. love is a higher law. love is a temple. love is a higher law. you ask me to enter. but then you make crawl. and i can't be holding on. to what you got. when all you got is hurt." (clique e ouça) explode quando o álcool invade meus sentidos e eu imagino outro te beijando. explode porque você me trocou de lugar.

tento recuperar o fôlego, estive colando ossos e cacos. nossa fotografia não mancha nem com vinho barato que eu atiro contra a parede nos dias de loucura. nos dias de ausência. de quase morte.

melhor guardar essa saudade dentro de caixas do que virar falta todo dia. mudei o cabelo, o sujeito, os pronomes oblíquos, abandonei as entrelinhas, traí as maiúsculas e diminui o cigarro. corro no parque duas vezes por semana e me matriculei novamente na academia. passei a comer temaki com mais frequência, quase abandonei as massas e as fritas. continuo amando cerveja, você sabe, esse sempre foi meu ponto fraco. mudei de caneta, tirei nosso porta retrato da estante. fechei o quarto, deixei suas coisas todas do mesmo jeito. aquela sua camisa verde que usou no reveillon junto com a calça branca, seu perfume e brincos. tudo ali do mesmo jeito, só que com saudade.

eu vivo de saudade. saudade de quando eu era criança e dos desenho animados que assistia 7 da manhã com a cara colada na tv. saudade de pular o muro da escola. saudade do meu vô que perdi aos 17, daquela amiga que se foi aos 23, saudade do filho que a gente não teve porque você optou assim. saudade do tio que se foi aos 25, da bisa e da tia que partiram aos 27. as pessoas de uma forma ou de outra sempre vão. e eu nunca me acostumei com isso e já aceitei isso. nasci com esse defeito. uma hora acabam partindo, no seu caso, o seu lugar não era aqui, mas eu fico. a saudade sempre fica. é a única que me acompanha e nunca vai embora.

e você ainda se lembra de nós? ah deixa pra lá. a gente sempre deixa. eu mesmo deixo sempre o vinho pela metade. ele me dopa fácil.

o fato é que não quero que você volte. não faz mais sentido. você nem notou que era a coisa mais importante que eu tinha. me trocou como troca suas colcci quando estão velhas e com o formato dos seus quadris. hoje essa saudade é o que eu tenho. é a minha referência de quem fomos. e o que me faz ver meus verdadeiros sorriso, você conseguia isso tão fácil... sorrisos... hoje lembro e ele é tímido, com os lábios apertados. faz uma leve curva, menos que a lua crescente. essa saudade é diferente de todas as outras, é saudade boa, que ainda fere, mais é boa. me apego a esse sentimento e quase tenho a certeza de que nunca irei te abandonar. é como se eu estivesse escolhido o melhor de você e todos os dias eu buscasse um pouco disso.  enquanto eu falo sobre isso o vinil chora com marcelo camelo "e se já não sinto seus sinais, pode ser da vida acostumar".

a marca de copo do seu vinho tinto manchou a minha mesa de madeira e eu ei de acostumar.

3 comentários:

Daniele Oliveira disse...

O amargor e a tristeza da saudade, misturados à doçura do que se foi vivido, do que se deu e recebeu, da intensidade, do encaixe dos corpos e da rotina, do se acostumar às diferenças e manias e depois ouvi-las ecoando pela casa e pelo coração dolorido. As vezes penso que nunca mais gostaria de amar, nunca mais queria ter acesso a rotina, jeito, trejeitos, manias e cheiros que depois me abandonam à própria sorte. Mas o que fazer se é da vida e será que haveria tristeza maior do que a do vazio unicamente vazio? Acho que mesmo que me doam (e como doem) ainda prefiro os vazios cheios de alguém...

Nadine disse...

Saudade é o que eu sinto também, por você :')

Você sempre descrevendo esses detalhes, seus sentimentos de uma forma única e encantadora, até mesmo quando aperta o peito e causa aquela dorzinha avassaladora.

Se cuida, meu Briccio.
Paz e um forte abraço.

Briccio disse...

Dani, faço minhas as suas palavras.

Nadine, saudade de ti também, acho que precisamos escrever nosso texto novo, o que acha?