Quando a conheci era outono, ela me disse que eu tinha os olhos apertados. Eu disse que os delas eram profundos e que, de tão verde, eu confundiria com o mar do litoral norte de São Paulo. Ela sorriu e eu pedi. Primeiro um beijo, depois mais sorrisos e dias a fio. Foi o conhaque. Ele sempre me deixa corajoso [...]
Ela mascava chiclete e fumava. Trazia uma enorme bolsa azul, levava livros, maquiagens, uma blusa e um porta níquel de oncinha.
-E se você não confiar? Ela perguntava segura.
-Eu confio.
A primeira lágrima eu derrubei no inverno, quando a vi aprendendo tocar violão. Dó. Tinha um alemãozinho, todo musculoso, com os olhos claros também. Ele tinha os olhos em cima dela. Dos seios em especial. E os dela, brilhavam enquanto ele ia de sol com lá bemol e dó com baixo em si. Certeza que ela dormiria com ele.
-E se fizer frio? Ela perguntava segura.
-Eu te esquento.
Na primavera ela me confessou que tinha feito uma tatuagem para mim. Era um coraçãozinho vermelho, aparecia quando ela descia a calcinha. O problema, é que ela tinha feito com aquele tatuador pegador, o Bruno.
-Que constelação é aquela? Perguntei enquanto apontava para as estrelas.
-Vai nascer uma verruga no seu nariz.
-Oi?
-Libra.
No verão a desconfiança ardeu em brasa. Se eu pudesse ler seus pensamentos, a encontraria com o João ou o Zé, ambos sussurrando pornografias em seu ouvido. Sempre que passávamos por eles, na quitanda do Zé ou no boteco do João, ela abria aquela boca pintada de vermelho e cheia de dentes. Eu não ousaria deixá-la um minuto a sós com eles.
Ela colocou a aliança em cima da mesa e pediu um café.
-Sem açúcar, moço.
Amarga! - Pensei.
Eu aguardei a pergunta: "-E se você cansar?" eu implorava para ela perguntar porque já tinha a resposta na ponta da língua. Diria que ela não valia 10 dinheiros e que ela era pior que a Gabriela Cravo e Canela.
-Eu cansei. Ela se levantou linda e impetuosa e deu as costas. Dobrou a esquina e desapareceu.
Soube depois, pelo seu irmão, aquele alemãozinho musculoso que a ensinava tocar violão que ela tinha se mudado para o sul.
Já o Bruno, o tatuador pegador, confessou que me achava lindo e disse que se eu quisesse poderia ficar na casa dele por um tempo. Idiota!
O seu pai, o Zé da quitanda, disse que ela pensava em se casar comigo, ter filhos e que não entende porque não deu certo. Só o João, seu tio avô não lamentou. Ficou neutro e não opinou.
O outono voltou novamente com saudade e gosto de sal na boca. E falta. Dor e lágrima. O inverno seguinte foi de frio: No estômago! E de mão gelada, e insônia, ódio e amor. A primavera trouxe novamente o cheiro das flores. Mas eu não tinha o seu. O verão novamente ardeu. Foi presença, mesmo ausente. Sonhei acordado, delirei, acho que foi o sol. Queimou e ardeu em saudade. Tristeza pior que ressaca de vinho barato e que só matei quando a vi no banco da praça.
-Vai fingir que não me conhece? Perguntei sem jeito.
-Você nunca me conheceu, porque eu deveria te conhecer?