O meu amor tinha gosto de amora, o seu de saudade.
No chão do quarto, alguns papéis (pesquisas sobre um país qualquer para o trabalho de Marketing Internacional), seu Lacoste com seu par de meias brancas dentro, uma mochila azul com alguns sonhos, lápis e canetas, um caderno com pouco conteúdo e bastante folhas em branco -assim como setembro- e
Placebo com Special K ecoando.
Começou o dia assistindo TV,
Reflexos da amizade, durou somente 20 minutos. O tédio e falta de um final surpreendente (pois já sabia como terminaria) o fez voltar para o quarto. Pensou em ver
Os sonhadores e o
talento do francês
Louis Garrel, só pensou.
Sábado é dia de diversão, de sair com os amigos, dia de beber vodka (boa) com suco de laranja e dançar a noite inteira. Sábado é dia de encontrar um amor descartável na próxima música dos
Beatles -Come together-, um flerte pelo caminho até o banheiro ao som de
Smiths -There is a light that never goes out- ou um encontro de dois corpos (condicionados a beijos sem sentimentos) na fila do bar ao som mais pesado de
Nirvana -Pennyroyal tea. Quem estabeleceu tais verdades?
No rádio do carro tocava uma canção de uma banda qualquer. Não importava. Olhou para o lado direito e viu o seu próximo amor. Sim, daria seus sonhos, compraria presentes, e conversaria com os seus familiares na sua sala de estar. Abaixou o vidro para ver melhor.
Perdeu de vista... era necessário, o fluxo do trânsito tinha de continuar. Olhou pelo retrovisor, viu distanciar-se de ti, a mais bela pintura daquela terça ou quarta feira. Sorriu e decidiu voltar.
Fez o retorno, dobrou a próxima rua à direita, voltou por três quarteirões até novamente chegar a avenida principal, em um ponto onde sabia que cruzaria novamente com o seu próximo amor. Preferiu o "não" ao eterno "o que teria acontecido se...". Decidiu abordar. Perguntou informações só para ouvir a voz. Enquanto explicava, ele apenas observava. Tinha os olhos negros e brilhantes, o cabelo castanho escuro e uma pele morena avermelhada. Usava uniforme de voleibol e aparentava assistir
Glee de tão jovem que era.
Interrompeu as informações, que de fato não usaria para nada e perguntou:
-Tem compromisso? Quer tomar um suco?
A resposta veio com um sorriso, seguido de um sim.
O amor tem tantos gostos... começa com o gosto da novidade, gosto da descoberta...
-Conheci a poucos meses, uma fruta chamada
lichia e hoje conheci você.
É nessa época que queremos tocar, sentir, abraçar, estar perto. Ao desenrolar dos dias passa a ter o gosto de amora, aquele que conhecemos, gostamos, mas não é mais novidade. Dependendo do amor passa a ter o gosto da saudade.
Entrou no carro, entrou na minha terça ou quarta-feira, entrou na minha vida e eu não tinha pressa alguma de voltar para casa.
Lembranças de uma terça ou quarta-feira:
- Sobre ter 19 anos: Corpo perfeito, hormônios a flor da pele e libido incomparável;
- Mora à uma distância de menos de 5 km da minha casa;
- Tem um sorriso lindo, cheio de sonhos pré fabricados na adolescência;
Ligou só na semana seguinte. Acho pouco provável que alguém com 19 anos, queira algo sério com quem quer que fosse, até mesmo com o
Ashton Kutcher. Não, talvez quisesse com essa segunda opção.
Ligou algumas vezes. Quase duzentas, consegui ouvir a voz apenas uma vez. Todas as outras fora de área ou desligado. Continuou a tentar (só para constar). Não sabia qual direção seguir. Se ancorou nas lembranças.
Escreveu em um canto qualquer da pesquisa de Marketing Internacional:
Quero um dia, cultivar menos as recordações. Quero um dia me instalar com mais integridade no possível. Ter de disfarçar a dor, dói mais ainda.